Aprovada a “revisão da vida toda” do INSS, que pode render uma bolada ao aposentado
O Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou nesta sexta-feira (25) a revisão dos benefícios para os aposentados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Com isso, será possível conseguir por meio de ação na Justiça o direito à mudança no cálculo dos benefícios, o que pode geral uma bolada para os aposentados. Isso é chamado de “revisão da vida toda”.
O entendimento dos ministros será aplicado em todos os processos do tipo no país. Essa ação judicial do aposentado pede que todas as suas contribuições ao INSS, inclusive as realizadas antes da criação do real, em 1994, sejam consideradas no cálculo da média salarial para aumentar a renda previdenciária. A correção pode render atrasados e mais de R$ 100 mil.
Até então, só entram na revisão do INSS os valores recebidos a partir de 1994, quando entrou em vigor o Plano Real. O dinheiro recebido em outras moedas ficava de fora. O segurado que tinha altos salários antes de 1994, depois sofreu uma diminuição nos rendimentos e, consequentemente, ao se aposentar, o valor do benefício ficou bem abaixo do esperado. Agora isso pode mudar. Dessa forma, pedindo a inclusão do salário de antes de 1994, o aposentado pode multiplicar a sua aposentadoria.
O julgamento do processo, que ocorre no plenário virtual da corte, começou em junho do ano passado, mas foi interrompido após pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes. Faltava apenas o seu voto, que foi entregue nas primeiras horas desta sexta. O placar estava empatado em 5 a 5, e o voto favorável de Moraes foi decisivo.
Na época, foram favoráveis à revisão o relator, ministro Marco Aurélio, acompanhado pelos ministros Edson Fachin, Cármen Lúcia, Rosa Weber e Ricardo Lewndowski. A divergência ocorreu com o voto do ministro Nunes Marques, que foi seguido por Dias Toffoli, Roberto Barroso, Gilmar Mendes e Luiz Fux.
Na madrugada desta sexta-feira, Moraes apresentou seu voto, garantindo que o segurado que implementou as condições da aposentadoria após a reforma da Previdência de 1999 tenha direito ao melhor benefício.
“O segurado que implementou as condições para o benefício previdenciário após a vigência da lei 9.876, de 26/11/1999, e antes da vigência das novas regras constitucionais, introduzidas pela EC em 103 /2019, que tornou a regra transitória definitiva, tem o direito de optar pela regra definitiva, acaso esta lhe seja mais favorável”, diz o voto do ministro.
O que é a revisão da vida toda
A inclusão de todos os salários na aposentadoria passou a ser pedida na Justiça para tentar corrigir uma distorção criada pela reforma da Previdência de 1999. Na época, a regra de transição aplicada aos segurados do INSS criou duas fórmulas para apuração da média salarial utilizada no cálculo dos benefícios da Previdência.
Pelas normas, quem já era segurado do INSS até 26 de novembro de 1999 teria sua média salarial calculada sobre as 80% maiores contribuições realizadas a partir de julho de 1994. Já para os trabalhadores que iniciassem suas contribuições a partir de 27 de novembro de 1999, a regra permanente estabeleceu que a média salarial seria calculada com todos os salários de benefício.
A nova norma prejudicou os segurados que tinham muitas contribuições pagas em valores maiores ao INSS antes da implantação do Plano Real. Ao conseguir o direito de se aposentar nas regras de transição, o trabalhador teve seu benefício reduzido, por ter sido impedido de somar os salários maiores de antes de julho de 1994.
Em sua defesa, o INSS tentou argumentar, no julgamento de 2021, que a revisão traria um rombo de R$ 46 bilhões aos cofres públicos em dez anos, o que foi utilizado no voto contrário de Nunes Marques. Na época, o Ieprev (Instituto de Estudos Previdenciários) pediu a suspensão do julgamento, solicitando detalhamento dos valores. Para os especialistas, a revisão é limitada e não trará esses gastos.
A questão surgiu por conta da lei 9.876, de 1999, que alterou a forma de calcular o benefício de quem se aposenta pelo INSS. Até então, a conta considerava a média das últimas 36 últimas contribuições feitas à previdência oficial.
Com a lei – a mesma que criou o fator previdenciário – a base do cálculo mudou, e passou a ser a média de todas as contribuições realizadas, excluindo as 20% de menor valor.
Assim, para alguém que tivesse 500 contribuições ao INSS ao longo da vida, a conta passou a considerar as 400 maiores (80%) e excluir as 100 de menor valor (20%). O objetivo era evitar distorções – não eram raros, por exemplo, os casos de trabalhadores autônomos que pagavam valores baixos durante anos e aumentavam a contribuição apenas nos últimos 36 meses.
Ocorre que um dos artigos da lei previa que para quem já era contribuinte da previdência antes de 1999 o cálculo consideraria apenas as contribuições feitas a partir de julho de 1994.
É fácil entender o raciocínio. É comum que a vida de trabalho das pessoas comece em cargos com salários menores. Ao longo dos anos, conforme acumulam experiência e conhecimento, a tendência é de que consigam posições melhores, com remuneração mais alta também.
É de se esperar que no período final da carreira estejam recebendo os salários mais elevados – e, por consequência, fazendo contribuições de maior valor também. Desconsiderar as contribuições do início da vida de trabalho no cálculo do benefício, portanto, seria bom negócio para muita gente.
Mas não para todos. Uma parte dos segurados acabou sendo prejudicada pela regra de transição, que foi aplicada para todo mundo. “O caso clássico é o de quem teve uma boa função como empregado de uma empresa durante vários anos, e depois decidiu abrir um negócio próprio, recolhendo o INSS sobre um pró-labore [como é chamada a remuneração dos sócios de uma empresa] mais baixo”, explica Cristiane Grano Haik, advogada e professora mestre em Direito Previdenciário e do Trabalho.
Para pessoas em situações como essa, considerar apenas as contribuições feitas a partir de julho de 1994 – e não as da vida toda – pode ter resultado em um benefício menor na aposentadoria. E muitas delas passaram a ingressar na Justiça solicitando a revisão do cálculo pelo INSS.
Como é o cálculo da aposentadoria atualmente?
É importante lembrar que, de 1999 para cá, o cálculo do benefício concedido pelo INSS já mudou. Em 2019, a Emenda Constitucional 103 materializou uma reforma da previdência fortemente discutida nos anos anteriores.
A reforma estabeleceu mudanças profundas no sistema. Por exemplo, atualmente, o cálculo considera a média de 100% das contribuições feitas ao INSS pelo segurado. Não são mais descartadas da conta as 20% de menor valor – o que tende a reduzir o valor do benefício, em comparação com a regra anterior.
Além disso, foi estabelecida uma idade mínima de aposentadoria, que é de 62 anos para mulheres e 63 anos para os homens. O tempo de contribuição ao INSS também é considerado para definir se a pessoa pode se aposentar e entra na conta do valor do benefício.
O tempo de contribuição mínimo para uma mulher se aposentar pelo INSS é de 15 anos. Mas quem pede o benefício nesse prazo ganha apenas 60% da média das contribuições que realizou.
A cada ano adicional de contribuição, são acrescentados 2%. Assim, uma mulher que se aposente após 16 anos terá um benefício equivalente a 62% da média das contribuições – de 64% após 17 anos, 66% após 18 anos, e assim por diante. Só terá um benefício equivalente a 100% da média após 35 anos de contribuição.
Para os homens a sistemática é a mesma, com a diferença de que o tempo mínimo de contribuição para poder se aposentar é de 20 anos e o tempo necessário para conseguir um benefício equivalente a 100% da média é de 40 anos.