Caso Kiss: Ministério Público pede a condenação dos acusados: “Façam aquilo que os senhores deveriam fazer para os seus filhos”

O Ministério Público abriu a fase de debates orais defendendo que o incêndio na Boate Kiss se trata de homicídio doloso (quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo). Por duas horas e meia, a sustentação se dividiu entre os Promotores de Justiça David Medina da Silva e Lúcia Helena Callegari e o Assistente de Acusação, Advogado Pedro Barcellos, que representa as vítimas no processo.

Na primeira parte, o Promotor David falou dos aspectos jurídicos envolvendo o caso. Explicou que, no dolo eventual, o indivíduo, mesmo tendo previsão do resultado, opta por praticar o ato. O autor prevê, admite e aceita o risco de produzi-lo (ele não quer, mas prevê o resultado e pratica). “Colocar fogo num lugar cheio de gente é crime doloso”.

“Eles não queriam matar, nós nunca dissemos isso. Age com dolo quem quer e quem não quer”, afirmou o Promotor de Justiça. “Não é uma culpa moral que a gente está falando. É uma questão jurídica”. O acusador também explicou o conceito de culpa, que é uma responsabilidade penal menos grave, quando o agente dá causa ao resultado por imprudência, negligência e imperícia. A pena para o crime culposo pode ser substituída por prestação de serviço à comunidade, pagamento de pena pecuniária ou até mesmo levar ao perdão judicial. “Não existe prisão pior do que a desses pais, dessas mães. Pensem que o crime culposo pode dar até uma isenção de pena. Será que isso é proporcional?”, questionou.

Promotor, de perfil, fala ao microfone. Ao fundo, o Juiz e a pilha de processos da Kiss.

Medina questionou quais cautelas os acusados tiveram para proteger as pessoas. “Acho que eles estavam do lado da indiferença”. Mostrou o documento dos bombeiros que alertava não ser permitido o uso de materiais inflamáveis no interior da boate e que foi recebido pela gerente do local, a irmã de Elissandro Callegaro Spohr, sócio da Boate Kiss.

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Sustentou que houve ganância por parte deles, referindo-se a compra de um artefato pirotécnico barato. Mostrou fotos dos corpos encontrados nos banheiros e defendeu que, se houvesse luzes indicativas nas saídas da casa noturna, isso não teria ocorrido, pois as vítimas teriam encontrado a saída.

Medina encerrou sua explanação mostrando na tela fotos de arquivos pessoais das vítimas fatais, enquanto citava trechos da canção “Pedaço de mim”, de Chico Buarque. “Oh, pedaço de mim / Oh, metade amputada de mim / Leva o que há de ti / Que a saudade dói latejada / É assim como uma fisgada / No membro que já perdi”, citou. “Fiquem com quem eles eram e, para quem acredita, ainda são”.

Pedro Barcellos fez uma retrospectiva do que as testemunhas disseram em plenário durante os 8 dias de oitivas. “Se não tivessem posto fogo na boate, ninguém ia morrer. E o Mauro e o Kiko eram os donos da boate e deixaram isso ocorrer”.

Defendeu que a boate estava lotada na noite do incêndio; que Marcelo e Luciano foram os responsáveis pelo fogo; que restou provado que Mauro também atuava na boate como sócio; e que Kiko colocou a espuma a espuma no teto. “Estamos lutando por justiça. Quando o Dr. Orlando quesitar, pedimos que condenem os réus. Assim, estaremos fazendo justiça”.

Acusados
Para a Promotora Lúcia Callegari, este foi o processo mais difícil da sua carreira, pela complexidade, carga emocional e tempo de julgamento. “Estamos aqui para mostrar para o mundo que a história não pode se repetir”, afirmou. Sua apresentação focou na conduta de cada um dos acusados que levaram ao incêndio.

Elissandro Callegaro Spohr, o Kiko, era a proprietário da boate. Foi ele quem comprou e mandou aplicar a espuma (que pegou fogo em contato com o fogo de artifício acionado pela banda) para fazer o isolamento acústico do palco. O material de poliuretano foi aplicado com cola, que também é inflamável. A Promotora destacou que o valor pago é bem abaixo do material antichamas, adequado para a situação.

Assistente de acusação, de toga, faz sua argumentação aos jurados. Ao fundo, réu Luciano

Mauro Londero Hoffmann ingressou na sociedade em setembro de 2011 e argumenta que era um sócio investidor. De acordo com a acusação, testemunhos apontam para a participação ativa dele na tomada de decisões acerca dos assuntos da boate. Relato de uma testemunha apontou que Mauro estava na frente da Kiss, quando já tinha ocorrido o incêndio, e que ele não ajudou as pessoas, “virou as costas”. “Pessoas insensíveis, preocupadas com o patrimônio, com o pagamento de comanda”, afirmou a Promotora.

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Para a acusação, Mauro tinha conhecimento da colocação da espuma.

Luciano Bonilha Leão, produtor musical, comprou artefato pirotécnico inadequado para ambiente interno e o acionou no interior da boate. “Ele conhecia, tinha domínio do que fazia. Ele contava com a sorte e assumia o risco”.

Marcelo de Jesus dos Santos, vocalista da Banda Gurizada Fandangueira, segurava o artefato que, em contato com a espuma do teto, provocou o fogo. “Ele pulou com o sputnik na mão (o artefato deveria ser acionado com a pessoa parada), que era para uso externo”. Também não teria avisado ninguém do que se tratava. “Não teve a hombridade de avisar e ‘saiu voando’ de lá”.

A Promotora mostrou o flyer promocional da festa “Agromerados”, que dava conta de que havia seis turmas comemorando lá (Técnico em Alimentos, Agronomia, Medicina Veterinária, Zootecnia, Técnico em Agronegócio, Pedagogia), mostrando que o ambiente estava cheio naquela noite.

Dois funcionários que trabalhavam no estacionamento do supermercado localizado na frente da boate, e que foram ouvidos no processo, disseram que os músicos foram os primeiros a deixar o local.

Lúcia mostrou um cartaz da banda, datado do ano 2000, onde as fotos indicam que, pelo menos desde esse ano, era feito uso de pirotecnia nos shows da Gurizada Fandangueira. A legislação indica que, para tanto, deve haver autorização prévia da Polícia Civil e dos bombeiros. “Essa banda anunciava este como um diferencial. E nunca se preocuparam em verificar se os extintores funcionavam, em avisar as autoridades nem em fazer qualquer plano de incêndio. “Sempre se acreditou na sorte de que nada ia acontecer”.

Lúcia Callegari também apresentou trechos de depoimentos que apontam que havia ordens para os seguranças que segurassem a porta, porque, há alguns dias antes, havia ocorrido uma situação em que clientes saíram sem pagar.

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“Nós estamos representando o que queremos para Santa Maria, para o Brasil e para o mundo. Estamos com a dor de 242 almas,  mais os 600 feridos. Mas estamos aqui para fazer uma história que pode ser positiva ou negativa, se aprovamos ou não aquela conduta”, disse a Promotora aos jurados. “Façam aquilo que os senhores deveriam fazer para os seus filhos”, encerrou a Promotora.

Assista ao julgamento

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