Caso Kiss: Primeiro réu interrogado, Kiko Spohr chora: ‘Não aguento mais’

“Perdi amigos, funcionários. Por que eu ia fazer isso? Querem me prender, me prendam. Eu não aguento mais!” Chorando muito, Elissandro Callegaro Spohr, que estava sentado de costas para a plateia e respondia aos questionamentos do Juiz Orlando Faccini Neto, se voltou para as famílias das vítimas  do incêndio na Boate Kiss , que acompanhavam o seu interrogatório. Ele foi o primeiro dos 4 réus a ser interpelado, ainda na tarde de hoje (8/12). Amanhã, será a vez de Luciano Bonilha Leão, Mauro Londero Hoffmann e Marcelo de Jesus dos Santos.

Enquanto o réu gritava, lamentando o acontecido e tentando apresentar seus argumentos, os familiares ficaram de pé e deram as mãos em silêncio. Após, fizeram um círculo e se abraçaram. Foi neste momento que o Juiz Faccini, que preside o júri, fez um intervalo de 40 minutos.

Em seu depoimento, Elissandro disse que não autorizou a Banda Gurizada Fandangueira a utilizar artefatos pirotécnicos (que, em contato com a espuma aplicada no teto, provocou o incêndio) durante a apresentação na madrugada de 27/01/13. Afirmou também que não viu o princípio do fogo. Sobre a quantidade de pessoas que estavam na boate aquela noite, ressaltou que havia controle de público. E que, quando chegava em 800 pessoas dentro do estabelecimento, só entravam conforme outros saíam. “Isso eu te digo com certeza absoluta”.

Sobre os extintores de incêndio, confirmou que eles estavam recarregados. “Não funcionou. Por que não funcionou? Só Deus sabe”.

As barras de ferro, que teriam dificultado a fuga das vítimas, foram colocadas para organizar a saída dos clientes.

Projeto acústico

Kiko disse que encaminhou o pedido de renovação do alvará e que fez melhorias estruturais no estabelecimento. “Fui tentando melhorar a casa”. Havia o problema com uma vizinha, que reclamava do som alto, que reverberava no apartamento dela. “Tentei de tudo para resolver. Ofereci pagar o aluguel de um apartamento para ela e eu usaria aquele de estoque, só para não haver mais este incômodo”. Tiago Mutti, irmão da sócia da boate antes de Kiko, teria indicado o engenheiro Samir para resolver essa questão. “Vamos fazer uma parede, no lado da vizinha, e vamos colocar espuma. Nem questionei em momento nenhum”, relatou Kiko quanto à orientação do profissional. Mas o barulho persistiu.

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O empresário foi chamado a comparecer no Ministério Público e prometeu ao Promotor de Justiça que resolveria. “Samir me disse que estava cheio de serviço, mas indicou outro profissional, o Engenheiro Pedroso”. O réu esclareceu que não foi Pedroso quem indicou a colocação de espuma. “Ele disse que não precisava porque não resolveria o problema”. A opção seria revestir a parede com tijolos e também mudar o palco de lugar.

Pedroso não executou a obra. Foi um tio de Elissandro, já falecido. O custo total foi de R$ 230 mil (R$ 60 mil só de mão-de-obra). Mauro Hoffmann já era sócio da boate. Kiko acabou fazendo uma série de obras na casa da vizinha que reclamava e resolveu o impasse. Mas, segundo ele, com a troca de lugar do palco, passou a ter problemas com outra vizinha.

Segundo ele, acabou perdendo contato com Pedroso e voltou a falar do assunto com Samir, que teria respondido: “Kiko, já te falei, tu vai ter que fazer um tratamento acústico. Tem que colocar espuma”. As espumas que haviam sido retiradas, por orientação de Pedroso, foram aplicadas no palco, mas Kiko não gostou do resultado e mandou tirar. Posteriormente, adquiriu espuma nova e fez a aplicação.

Elissandro disse que pediu à Arquiteta Nivia Braido indicação para colocação de um papel de parede na casa noturna. Ela fez algumas sugestões e apresentou um projeto arquitetônico, mas Elissandro não gostou.

Incêndio
Elissandro chegava cedo na boate, por volta das 15h, onde permanecia até umas 21h30min. Ele participava das passagens de som. Kiko e a esposa, Nathália, foram jantar e retornaram para a Kiss, por volta da 1h40min, quando a festa “Agromerados” já estava acontecendo. A primeira banda a tocar naquela noite foi Pimenta e seus Comparsas. Depois, o DJ tocou música mecânica e, em seguida, subiu ao palco da Kiss a Gurizada Fandangueira.

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Enquanto isso, Kiko circulava pela casa noturna. Ele disse que viu a primeira atração musical. Houve um princípio de tumulto com um cliente embriagado, que convenceu ir para a rua. “Conversei um pouco com ele eu levei até a rua. Quando eu virei, o Fabiano veio correndo e disse: ‘deu alguma coisa no palco’”. Elissandro retornou à casa, mas não viu o início do fogo. “Só vi a correria das pessoas. Abri as portas e gritava: ‘sai, sai, sai’”.

Disse que tentaram ligar para os bombeiros. “Achei que iam resolver, mas isso não aconteceu. A situação só piorou”. Kiko queria voltar à Kiss para encontrar a esposa, mas foi impedido pelos funcionários, até que a achou. Começaram a quebrar a parede da fachada. “Alguém desligou as luzes e a fumaça deu uma acalmada”. O empresário disse que foi para a Delegacia, onde teria sido mandado embora para casa. “Não fui lá para me defender. Fui para ver o que eu fazia. Já sentia o clima pesado”, afirmou. “Eu não sabia o que fazer. Eu não sabia para onde eu ia. Não tinha explicação”.

Pirotecnia
A Projeto Pantana já tocou com a banda Gurizada Fandangueira no mesmo evento. Kiko disse que nunca viu os músicos utilizarem recursos pirotécnicos. “Cheguei a ‘vender’ a banda. Quem sabe, eles faziam, mas eu não vi”. Afirmou que tinha relação de amizade com Danilo, o gaiteiro que faleceu. Os músicos tocavam pilchados e Kiko chegou a sugerir a troca de estilo da banda para se adequar ao perfil das boates.

Questionado pelo Juiz se ele havia avisado aos músicos sobre a presença de espuma no palco, após a reforma, Kiko disse que não informou. “Não cheguei a ter essa conversa com eles. Eu acredito que eles realmente acreditavam que esse tareco não pegava fogo”.

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Familiares
Kiko afirmou que, mesmo passados quase 9 anos, não teve coragem de fazer expressar condolências aos sobreviventes e familiares de vítimas fatais. “Sempre me senti, de uma forma talvez envergonhado, sem saber o que dizer”. Afirmou que chegou a sofrer ameaça de morte.

Música e empreendedorismo
Elissandro iniciou o seu depoimento falando ao Juiz Orlando Faccini Neto sobre a sua vida pessoal. Natural de Santa Rosa, ele contou que sempre gostou de música desde criança, quando começou a tocar violão. Kiko, como é conhecido, conheceu o pai já por volta dos 12 anos e também falou um pouco sobre a relação. Foi através de um amigo de Santa Maria, que tinha uma banda chamada Pantana, que surgiu o nome da banda dele, a Projeto Pantana.

A banda estava indo bem, Kiko também promovia outros grupos e vendia pacotes de shows. “O meu negócio com a noite era a música”. A boate Absinto Hall, de Mauro Londero Hoffmann, já existia. Foi através dessa ligação com a música que ele começou a conhecer o ramo do entretenimento santamariense.

Em 2009, ele já conhecia o engenheiro Tiago Mutti, irmão de uma das sócias da Boate Kiss, e passou a atuar na casa noturna recém-inaugurada. O estabelecimento não ia bem. E, quando Tiago quis vender para ele a parte da irmã, Kiko ofereceu um carro e uma quantia em dinheiro (R$ 15 mil) e assumiu os negócios. Ele considera que sempre teve espírito empreendedor. Para alavancar o investimento, teve a ideia de montar a “Quinta Absoluta”, proposta que deu certo. “A Kiss começou a ter um sucesso”. A irmã e o cunhado trabalhavam com ele.

De acordo com Elissandro, Mauro Hoffmann ingressou na sociedade já na reta final, em torno de 7 meses antes do incêndio.

Ele apenas respondeu aos questionamentos feitos pelo magistrado. Nenhuma das bancadas, nem mesmo a sua defesa, fez perguntas. O julgamento retornará amanhã (9/12), às 9 horas.

Assista ao depoimento

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