O Padre Júlio Lancellotti é alvo de uma CPI; conheça um pouco de seu trabalho
Definido pelo Papa como um "mensageiro de Deus"
Em 6 de dezembro de 2023, foi protocolada na Câmara de Vereadores de São Paulo a abertura de uma CPI para investigar o trabalho de ONGs na região da Cracolândia, lugar da cidade de São Paulo que ganhou este apelido devido ao grande número de usuários e dependentes de drogas que residem nas ruas. O autor da proposta é o vereador Rubinho Nunes (União Brasil), um dos fundadores do Movimento Brasil Livre (MBL). A CPI, segundo Nunes, deve ser instalada “com a finalidade de investigar as Organizações Não Governamentais que fornecem alimentos, utensílios para uso de substâncias ilícitas e tratamento aos grupos de usuários que frequentam a região da Cracolândia”. O vereador também afirma que “ONGs esquerdistas” lucram com a situação dos moradores de rua por meio de uma “máfia da miséria” que segue existindo.
Rubinho Nunes colocou como principal foco das investigações a atuação do Padre Júlio Lancellotti e do movimento A Craco Resiste. Nas redes sociais escreveu que Lancellotti e “muitos outros lucram politicamente com o caos instaurado na Cracolândia”. Já o Padre Júlio explicou que acha legitimo a instalação de CPIs, mas não possui associação política, partidária ou com o poder público. Acrescentou que “A atividade da Pastoral de Rua é uma ação pastoral da Arquidiocese de São Paulo que, por sua vez, não se encontra vinculada, de nenhuma forma, às atividades que constituem o requerimento aprovado para criação da CPI em questão”. O movimento A Craco Resiste também se pronunciou e destacou que não são uma ONG, “Somos um projeto de militância para resistir contra a opressão junto com as pessoas desprotegidas socialmente da região da Cracolândia. Atuamos na frente da redução de danos, com os vínculos criados com as atividades culturais e de lazer. E denunciamos a política de truculência e insegurança promovida pela prefeitura e pelo governo do estado”, disse, em nota.
Repercussão
Várias figuras relevantes se pronunciaram, na última semana, em defesa do Padre Júlio. Uma delas foi o Papa Francisco, que expressou solidariedade e disse que o trabalho do Padre prova que ele é representante legítimo da igreja e um mensageiro de Deus. Muitas pessoas não conheciam o Padre Júlio, e acabaram por conhece-lo com a repercussão do caso. Ele possui seu trabalho reconhecido por muitos anos e já sofreu diversos ataques políticos. Inclusive, em 2020, o na época candidato a prefeito da cidade de São Paulo, Artur do Val, chamou-o de “cafetão da miséria” e o acusou de cometer abusos com um menor de idade, posteriormente, foi descoberto que as supostas conversas de cunho sexual aviam sido forjadas pelo candidato e não eram verdadeiras.
O trabalho do Padre Júlio Lancellotti nas ruas de São Paulo
Uma em cada quatro pessoas em situação de rua no Brasil se encontra em São Paulo, tendo esta a maior população de rua no Brasil. Em julho de 2023, eram 54.812 pessoas cadastradas no CadÚnico que residiam nas ruas, mas segundo o presidente do Movimento Estadual da População em Situação de Rua, Robson Mendonça, “Há 69 mil pessoas vivendo em situação de rua na cidade de São Paulo”. O número do CadÚnico não é necessariamente o número real, afinal nem todos estão cadastrados.
Em 2020, quando os primeiros ataques contra o Padre aconteceram, o youtuber e professor Gustavo Nassar Gaiofato, se propôs a elaborar um documentário sobre o trabalho e a opinião de Lancellotti sobre os ataques que vinha sofrendo.
“Eu não trabalho com estes grupos, eu convivo com eles, porque quando a gente diz que ‘trabalha com’, parece que a gente torna as pessoas um objeto.”
Padre Júlio Lancellotti
Todos os dias, o Padre sai da Paroquia São Miguel de Arcanjo com um carrinho distribuindo alimentos àqueles que estão nas ruas até chegar no Centro Comunitário São Martinho de Lima. São atendidas de 400 a 500 pessoas, que ganham roupas, cobertores, café da manhã e quando possível assistência médica e odontológica. Durante a distribuição todos seguem a fila com ordenamento exemplar e dando preferencia a mulheres, idosos e crianças. Durante a entrevista o Padre expressa uma de suas reflexões “Jesus está do lado dos fortes ou dos fracos? O povo responde: dos fracos. Jesus está do lado dos poderosos ou dos pequeninos? O povo responde: dos pequeninos” ele então concluí “E se ele tivesse na cidade hoje, ele estaria no Palácio do Governo ou estaria na Cracolândia? Eu acho que ele estaria na Cracolândia , alias, eu acho que ele está lá e leva cacetada e bomba de gás de vez em quando ou de vez em sempre”.
Ao final, o Padre é questionado do que ele imaginar ser o motivo dos ataques que vinha sofrendo e ele diz que talvez seja falta de conhecimento. Também destaca que “E é um ato político na medida que querem matar [os dependentes] de fome mas nós não vamos deixar, é aquela história ‘resolveram nos matar e nos resolvemos não morrer”.
A CPI precisa ainda ser aprovada em plenário pela maioria da Câmara Municipal para ser efetivamente instalada.