Um safrista que trabalhou na colheita da uva, na serra gaúcha, deve ser indenizado por trabalho análogo à escravidão. A decisão é do juiz Silvionei do Carmo, da 2ª Vara do Trabalho de Bento Gonçalves. É a primeira sentença em processo individual ajuizado por trabalhador resgatado no caso envolvendo vinícolas, no início de 2023.
Duas empresas terceirizadas e uma vinícola tomadora do serviço foram condenadas a indenizar o trabalhador em R$ 50 mil, por danos morais. Ele também deverá receber o pagamento de horas extras excedentes a oito horas diárias e/ou 44 semanais, com incidência de adicional e reflexos em outras verbas trabalhistas. As empresas também terão que pagar as horas faltantes para completar o intervalo entre jornadas previsto no artigo 66 da CLT, com adicional de 50%. O valor de todas essas horas será calculado na fase de liquidação do processo, após o trânsito em julgado sobre o mérito.
O safrista trabalhou na colheita da uva entre 2 e 22 de fevereiro de 2023, data em que houve o resgate das vítimas de trabalho análogo à escravidão em operação conjunta da Polícia Rodoviária Federal (PRF), da Polícia Federal (PF) e do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Foram condenadas as empresas prestadoras de serviço Oliveira & Santana – Prestadora de Serviços e Fênix Serviços Administrativos e Apoio à Gestão de Saúde. Subsidiariamente, foi condenada a Cooperativa Vinícola Aurora, com limitação de 25% do total da condenação.
A sentença reconheceu que o reclamante efetivamente foi submetido a condições análogas ao trabalho escravo. A respeito disso, o juiz afirmou na sentença que “não havia as mínimas condições de conforto e higiene na Pousada do Trabalhador” e a “alimentação não era fornecida em condições e ambientes adequados”, bem como a jornada de trabalho era exaustiva. Outro destaque da sentença é que “os trabalhadores trazidos da Bahia para laborar na safra da uva eram hipossuficientes, não tendo condições de custear a passagem de retorno, o que ‘os prendia’ em Bento Gonçalves, obrigando-os a laborar até o final da safra, sob pena de perderem o direito à passagem de retorno”.
No que se refere às terceirizadas, o magistrado reconheceu a existência de um grupo econômico envolvendo as duas empresas que contrataram o trabalhador, tendo ambas responsabilidade solidária pelos créditos ou indenizações devidos, nos termos do art. 2º, § 2º, da CLT.
Em relação à vinícola, o magistrado entendeu que ficou comprovado que o safrista trabalhou em benefício da Aurora em apenas parte do contrato de trabalho – cinco dias de um total de 21. Por isso, a condenação, de forma subsidiária, ficou no montante de 25% do valor total que o trabalhador terá de receber. Na responsabilidade subsidiária, o trabalhador pode cobrar da tomadora de serviço caso não consiga o pagamento junto à empregadora, que é a devedora principal.
“Portanto, se a tomadora dos serviços não cumpriu com seu dever de fiscalização, concorreu para a violação dos direitos trabalhistas e dignidade do trabalhador, respondendo não apenas pela reparação dos danos de cunho eminentemente trabalhista, como também pelos danos decorrentes da violação da dignidade do reclamante, no caso, os danos morais”, decidiu o juiz.
O safrista também processou outras duas vinícolas da serra gaúcha. No entanto, não ficou comprovado que ele teria trabalhado para essas empresas.
Cabe recurso da sentença ao Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região.