Normalizada no País, a palmada causa danos à mente das crianças, diz estudo

Proibida no País e amplamente desaconselhada por especialistas em psicologia psiquiatria e pediatria, a palmada (e outras agressões) em crianças seguem com ampla popularidade por parte dos brasileiros. Foi o que mostrou uma recente pesquisa realizada pela Quaest e encomendada pelo banco Genial.

Na análise — que ouviu 2.016 pessoas maiores de 16 anos em 120 municípios, no começo deste mês — 56% dos respondentes concordaram que “é normal que a criança apanhe dos pais”. Uma importante fatia (42%), é importante dizer, disseram discordar da prática e 2% não souberam opinar. A margem de erro é de 2,2 pontos percentuais para mais ou para menos.

Nos consultórios de psicologia e psiquiatria, a truculência dos pais é justificada por toda sorte de razões: “era assim quando eu era criança”, dizem uns; “não sei o que fazer quando meu filho perde o controle”, despistam outros. Ou então: “meu irmão não apanhou na infância e se tornou uma pessoa irresponsável”, explicam alguns. Especialistas, contudo, refutam todas essas ideias e classificam o hábito de agredir crianças — mesmo no auge da birra — como inútil e nocivo, para ficar em somente dois adjetivos.

Parte dessa compreensão é fruto de uma série de análises científicas que classificam a agressão física às crianças como atalho para danos à saúde mental, comportamento violento e outras dificuldades na vida adulta. “Uma simples palmada já expressa o desrespeito ao direito básico da criança de crescer sem violência. E se insere num gradiente, no qual o espancamento brutal, com risco de vida, figura em um de seus extremos”, pontuou recentemente o pediatra Daniel Becker.

Para além do direito desrespeitado, há o dano mental e comportamental. Um recente estudo da Universidade Católica Australiana mostrou que meninos e meninas que apanharam na infância tinham, em média, duas vezes mais chances de desenvolver ansiedade e depressão, quando comparados com os que não passaram por castigos físicos.

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A pesquisa foi divulgada no ano passado e fez questionamentos a jovens de 16 a 24 anos. Outra análise, essa de 2021, realizada por especialistas da reputada Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, demonstra que mesmo a palmada (sem descambar para violências mais graves) já pode impactar no desenvolvimento cerebral de maneira negativa.

“A punição comprovadamente não funciona. A agressão não ensina o comportamento adequado. Para a criança entender, é preciso repetição das instruções e, com a agressão, existe a falsa impressão que os meninos e meninas entenderam aquilo imediatamente. E não é isso que ocorre”, explica a psicóloga infantil e neurocientista a frente do Instituto Singular, Mayra Gaiato.

“No caso do autismo especificamente, parte do diagnóstico é justamente percebido pela dificuldade na comunicação social. Então, alguns comportamentos são encarados como maldade, que a criança é mimada, e na realidade pode ser que a criança não tem instalado em seu repertório como deve agir em determinada circunstância.”

A essa altura, pode ser que muitos cuidadores estejam se lembrando que também levaram uma palmada aqui, um beliscão ali ou outro tipo de punição pontual na infância e, bem, chegaram com uma boa saúde e estrutura emocional na vida adulta. Os especialistas, contudo, tem uma explicação específica para casos assim.

“A palmada entra no problema do senso comum. Muitas vezes isso acontecia na vida da pessoa ou de alguém próximo e não levou a um transtorno mental. Mas não é exatamente assim com o cigarro? Não são todos que fumam que terão câncer de pulmão. Por outro lado, existe uma evidência estatística muito clara da relação entre o hábito e a doença. No caso da palmada há o mito que no momento que ela ocorre é algo positivo, que é um limite. É difícil explicar para os pais que apesar do afeto que os pais tenham pela criança, eles estão causando um dano para o futuro”, afirma Alaor Carlos Oliveira, coordenador do serviço de psiquiatria do Hospital Oswaldo Cruz.

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Orientações

Se ainda cabe falar mais em análises, pesquisas e estudos, é bom rememorar que a Academia Americana de Pediatria, no finalzinho de 2018, ratificou sua posição contrária às palmadas, surras e toda sorte de agressão contra crianças. A carta, publicada no periódico Pediatrics mostrou que somente 2,5% dos pediatras consultados em um levantamento da época acreditavam que alguma coisa boa pode vir de uma agressão física em crianças.

A esmagadora maioria é contrária e vê na prática a raiz de problemas mais sérios e profundos. Caso não tenha ficado claro, eles enumeram: há aumento do nível de estresse, impacto no desenvolvimento do cérebro, piora na saúde mental e no convívio social.

“Estratégias disciplinares aversivas, incluindo todas as formas de punição corporal e gritar ou envergonhar crianças, são minimamente eficazes a curto prazo e ineficazes a longo prazo. Com novas evidências, os pesquisadores vinculam a punição corporal a um risco aumentado de resultados comportamentais, cognitivos, psicossociais e emocionais negativos para eles”, escreveram os especialistas.

Fonte O Sul

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