Cocaína apreendida no RS pode ter até 100% de impureza, revela pesquisa do IGP

Uma pesquisa realizada pelo IGP revelou que a cocaína traficada no Rio Grande do Sul pode ser totalmente adulterada. O estudo realizado no IGP-RS é o mais amplo e mais recente  abordando o tema no Brasil, e pode contribuir para compreender melhor o perfil de atuação das facções no Estado no RS, além de servir como alerta à saúde pública. 

pesquisadoras observam computador
Pesquisa mostrou que maioria das amostras tem pouca concentração de cocaína – Foto: Ascom/IGP

O primeiro objetivo do estudo foi quantificar o teor da cocaína nas amostras, ou seja, a pureza da droga.  A pesquisa revelou que este teor de cocaína varia de 0% a 78%. A maior variabilidade de concentrações  foi encontrada na região metropolitana. De todas as amostras avaliadas, apenas 30% possuíam mais do que 40% de cocaína em sua composição. Em Porto Alegre, das 54 amostras analisadas, 35 tinham menos de 50% de teor de cocaína. Em Gravataí, nenhuma das dez amostras apresentou mais do que 40% de cocaína na composição. Em Canoas, apenas uma amostra tem mais do que 50% de cocaína.  “Por não saber exatamente o que está comprando, e diante da grande variabilidade de concentrações constatada, podemos dizer que os usuários estão gravemente expostos ao risco de intoxicações e de overdose”, afirma a chefe da Divisão de Química Forense do DPL, Lara Soccol Gris, que também é co-orientadora do trabalho. Umas das amostras analisadas continha 0% de teor da droga, ou seja, o produto vendido como cocaína era, na verdade, majoritariamente composto por tetracaína. Em novembro de 2021, o Departamento emitiu o Laudo comprovando que este era o adulterante apreendido em um caminhão na BR 448. 

O baixo padrão de concentração de cocaína se repete nas amostras provenientes do interior do Estado. Na região oeste, a média aproximada do teor de cocaína ficou entre 15 a 35%, na região norte de 16 a 40%, entre 13 a 42% na região central e por fim, na região sul, o teor de cocaína nas amostras ficou entre 14 a 41%. “Acreditamos que a cocaína já chega ao RS adulterada em algum grau. Porém, como existem muitas facções atuando no Estado e o objetivo final do tráfico é o lucro, a cocaína é mais adulterada ainda ao chegar aqui. A pesquisa pode contribuir para a identificação dessas rotas do tráfico”, afirma Lara.

A cocaína é um poderoso estimulante do sistema nervoso central. O uso pode provocar problemas cardiovasculares, respiratórios, neurológicos e gastrointestinais, que vão de uma simples náusea até a morte. Por ter baixo rendimento nos processos químicos para obtenção, a cocaína é uma das drogas mais adulteradas no Brasil. O país está no preocupante segundo lugar no ranking mundial no consumo da droga, ficando atrás apenas dos EUA. Do preparo até o refino, são adicionadas várias substâncias, fazendo com que a composição varie amplamente. “Ao diminuir a pureza e aumentar o volume de droga vendida, o lucro dos traficantes aumenta. Isso faz com que a composição da droga seja imprevisível, o que traz grandes riscos à saúde do usuário”, afirma a técnica em perícias Bárbara Cerveira, autora do estudo.

Cocaína é adulterada em todas as regiões, conforme a pesquisa – Foto: Arte Cíntia Rushel/IGP sobre TCC Bárbara Cerveira

 Região Metropolitana (Porto Alegre, Canoas, Viamão, Gravataí): 97 amostras; Região Sul (Rio Grande): 17 amostras; Região Norte (Erechim): 11 amostras; Região Central (Santa Maria): 10 amostras; Região Oeste (Uruguaiana): 6 amostras. Total de amostras avaliadas: 141.

Adulterantes adicionados também prejudicam a saúde

Das 141 amostras analisadas, 42 tinham cinco adulterantes que causam mal à saúde – Foto: Ascom/IGP

O segundo objetivo do estudo foi determinar quais substâncias foram adicionadas para adulterar a droga. Em 42 das 141 amostras analisadas, foram encontrados cinco adulterantes – cafeína, lidocaína, tetracaína, orfenarina e benzocaína – o que representa 30% do total. Dez amostras apresentavam dois adulterantes. 

Os adulterantes orgânicos geralmente possuem propriedades anestésicas e estimulantes. Eles agem sobre o sistema nervoso central, alterando o estado mental e autocontrole do indivíduo e diminuindo a percepção de responsabilidade do usuário por suas ações. “Esse tipo de adulterante mimetiza as características da cocaína e muitas vezes o usuário não percebe a diferença” disse Bárbara.

Cafeína é o adulterante mais encontrado em todo o Estado – Foto: Arte Cíntia Rushel/IGP sobre TCC Bárbara Cerveira

Na região metropolitana, 62% das amostras estavam adulteradas com cafeína, o adulterante com maior presença. Em seguida vem a lidocaína, encontrada em uma a cada cinco análises. “As amostras com adulterantes, podem resultar em risco toxicológico, porque as doses tóxicas destes compostos (ou seja, a quantidade necessária para que essas substâncias prejudiquem o organismo) são baixas”, explica Bárbara.

Veja mais sobre os adulterantes orgânicos:

A cafeína é um estimulante do sistema nervoso central. Se consumida em grandes quantidades, possui efeitos indesejáveis como distúrbios de sono e humor, constante estado de alerta, ansiedade, inquietação e irritabilidade, levando o indivíduo à dependência.  o adulterante majoritário, possivelmente por ser de baixo custo e fácil acesso comparado aos anestésicos em geral.

A lidocaína, a benzocaína e a tetracaína são anestésicos utilizados em clínicas para pequenos procedimentos e cuidados pós-cirúrgicos. Se administrados em grandes quantidades podem provocar desde efeitos como tontura, distúrbios visuais, sonolência, vômito, cianose, síncope, convulsões além de efeitos cardiovasculares como bradicardia, fibrilação arterial e arritmias, coma e até morte.  

O composto Orfenadrina é um relaxante muscular. Dentre seus efeitos adversos mais comuns estão: ataxia, distúrbios da fala, taquicardia, midríase (dilatação da pupila), tontura, alucinações e sonolência.

Outros Estados- em estudo de 2012, acreditava-se que o Amazonas era o Estado brasileiro com a cocaína de maior pureza do Brasil, com aproximadamente 45% do princípio ativo nas amostras. Em 2009, um artigo publicado no Estado de São Paulo evidenciou cocaína com teor acima de 90% e de 73,3% no Rio de Janeiro.

Uma tese de mestrado feita no Espírito Santo, em 2012, detectou teores máximos de cocaína de até 50% em amostras apreendidas no ano de 2005, com a fenacetina utilizada como adulterante encontrada na maioria das amostras, seguida pela cafeína e lidocaína. Em estudo realizado em Minas Gerais no ano de 2010, com a análise de 91 amostras entre crack e cocaína (cloridrato), revelou teores que variam entre 3,52% a 73,56%, com adulterantes sendo a lidocaína majoritariamente, seguida pela cafeína, benzocaína e ácido bórico.  

Em 2021, o IGP-RS analisou mais de 54 mil amostras de drogas, provenientes de todo Estado do RS. De acordo com dados da Secretaria Estadual da Segurança Pública, no ano de 2020 foram registradas 143.882 ocorrências relacionadas ao tráfico e uso de drogas no Brasil. Destas, 13.486 ocorrências são do Rio Grande do Sul.

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