Alison dos Santos é bronze na prova mais rápida da história dos 400m com barreira

A prova foi vencida pelo norueguês Karten Warholm. Ele se tornou a primeira pessoa na história a correr a distância abaixo de 46 segundos: 45s94. A prata ficou com o norte-americano Rai Benjamin, com 46s17. Uma marca que seria recorde mundial, olímpico e a melhor de todos os tempos se não existisse o norueguês.

Mas teve mais. Em terceiro cruzou um brasileiro, um paulista de São Joaquim da Barra, de 21 anos, dois metros de altura e 76kg. Alison dos Santos fechou a prova em 46s72. Um tempo que seria suficiente para ele ser ouro em todas as edições anteriores de Jogos Olímpicos já realizadas. Uma marca que determina o sexto recorde sul-americano dele só neste ano. Uma prova em Alison correu abaixo dos 47 segundos pela primeira vez. Um resultado que é o quarto melhor da história da modalidade, 0s06 abaixo do recorde olímpico de até então.Os três primeiros seriam campeões olímpicos em qualquer edição dos Jogos. E sete dos oito registraram algum tipo de recorde


O placar eletrônico do estádio olímpico também registrou siglas significativas ao lado de sete dos oito finalistas. Um indicativo de que todos terminaram com tempos que se tornaram recordistas nacionais ou que tiveram o melhor resultado da temporada.

“Realmente foi uma prova muito louca, muito forte, histórica. Fizeram o que achavam ser impossível: quebraram a barreira dos 46 segundos. E três atletas correram abaixo de 47 segundos. Tipo: a prova mais forte da história e fico muito feliz de estar fazendo parte disso, de estar ajudando a fazer a prova ser cada vez mais qualificada”, disse Alison.

“É a melhor corrida já disputada na história das Olimpíadas. Acho que nenhuma outra se compara com o que acabamos de fazer. É inegável: 45s9 numa prova sobre barreiras, 46s1, 46s72. É insano”

Rai Benjamin, medalhista de prata

“Eu só posso dizer que fico absolutamente honrado de fazer parte disso. Não imaginava que seria possível, nesse nível”, comentou o norueguês. O americano Rai Benjamin foi enfático: “Eu vou te dizer que essa é a melhor corrida já disputada na história das Olimpíadas. Acho que nenhuma outra se compara com o que acabamos de fazer. É inegável: 45s9 numa prova sobre barreiras, 46s1, 46s72. É insano. Eu diria que é a melhor prova de todas na história. É como eu ranqueio”, afirmou o americano. 

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Alison até brincou que já havia vivido essa sensação de estar lado a lado do norueguês enquanto ele batia o recorde mundial. “É a segunda vez que tenho essa situação em que ele quebra o recorde na raia ao lado, na minha frente, então literalmente vi o recorde ser quebrado. Eu sabia que a prova estava realmente forte, que estava brigando para fazer um bom tempo.”, disse Alison.

“E, quanto mais a gente compete com eles, mais a gente vê que ele sangra igual, que é tudo de carne e osso, que tem o mesmo sofrimento que a gente nos treinos. Com trabalho e dedicação a gente consegue evoluir, melhorar e cada vez chegar mais próximo do recorde mundial. Quem sabe um dia a gente também não se torna um”, disse Piu, como é conhecido o atleta.

Primeira na pista desde Seul

Além do significado simbólico de protagonizar um momento histórico nos 400m com barreiras, Alison protagonizou outro feito. Ele se tornou o primeiro brasileiro a subir ao pódio numa prova de pista desde 1988, quando Robson Caetano foi bronze nos 200m e Joaquim Cruz conquistou a prata nos 800 metros, na edição de Seul, na Coreia do Sul.

“Para mim o significado disso é recompensa. Eu saí de casa no início do ano porque no Brasil estava difícil de trabalhar pela questão da pandemia. Saí dizendo para mim mesmo que ia brigar por algo maior, para fazer história, para ir aos Jogos Olímpicos não pensando em participação, mas para fazer resultado, chegar na final, correr o meu melhor tempo. Se conseguisse isso, poderia ser medalhista ou não, mas sairia com o sentimento de que dei o melhor. Vou trazer o bronze para casa. Estou muito feliz com isso”, disse.

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Em Tóquio, o Brasil tem 52 representantes no atletismo, e 49 deles, incluindo Alison, são integrantes do Bolsa Atleta, programa de patrocínio direto do Governo Federal Brasileiro. Alison pertence à categoria Pódio, a principal do programa, voltada para atletas que se posicionam entre os 20 melhores do mundo em suas modalidades, com repasses mensais de R$ 5 mil a R$ 15 mil, de acordo com os resultados dos atletas. No ciclo entre os Jogos Rio 2016 e Tóquio 2021, o atletismo recebeu quase R$ 43 milhões de repasses diretos via Bolsa Atleta, recursos que foram suficientes para a concessão de 1.935 bolsas

Xavecando o momento

“Realmente fiquei xavecando o momento, porque esse é o foco, deixar tudo mais leve, para não permitir que a pressão tome conta de você. Eu estava ansioso, nervoso, até com certo medo porque tem pessoas assistindo que eu queria dar orgulho. É um trabalho de muita gente comigo na pista e não queria decepcioná-los”

Para garantir que a cabeça estivesse tranquila e que a pressão de uma final olímpica não travasse suas pernas, Alison buscou momentos de descontração ouvindo músicas e tentando se divertir. “Realmente fiquei xavecando o momento, porque esse é o foco, deixar tudo mais leve, para não permitir que a pressão tome conta de você. Eu estava ansioso, nervoso, até com certo medo porque tem pessoas assistindo que eu queria dar orgulho. É um trabalho de muita gente comigo na pista e não queria decepcioná-los”, disse.

Na playlist de Pio, a música que toca em looping, em especial antes das provas, é “O menino que virou Deus”, do rapper Kyan. “A letra é muito boa, me faz querer ser melhor. Ele fala na música que ‘trouxe a esperança para dentro de casa, o sossego para dentro de casa e que só voltaria para casa quando cumprir a missão que lhe foi dada’”, contou. “Hoje acho que a gente cumpriu a missão e dia 5 estou de volta para casa. Quem me conhece sabe que essa música tem um peso para mim”, completou.

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Esporte e autoestima

Quando tinha dez meses de idade, o óleo quente de uma panela caiu sobre Alison e causou queimaduras de terceiro grau na criança. As cicatrizes mais visíveis são em sua cabeça e em um dos lados de seu rosto, que tem a pele um pouco mais escura. Durante muito tempo, ele foi uma criança tímida e retraída. Usava boné para não deixar a cabeça visível. A evolução que teve no atletismo foi decisiva para que ele tivesse a autoestima recuperada.

“O atletismo me fez ser uma pessoa diferente, melhorar meu jeito de ser, entender e me aceitar mais. Antes eu realmente tinha muita vergonha. Ficava triste com olhares e comentários. Abalava um pouco a minha confiança. Hoje sei que isso faz parte de mim, como um símbolo, um orgulho das lutas que venci. O atletismo me fez entender que não é necessário ter essa timidez porque todos somos iguais, ninguém é melhor que ninguém”.

Gustavo Cunha, de Tóquio, no Japão – rededoesporte.gov.br

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