Uma fraude envolvendo o auxílio-reclusão está desviando milhões de reais do INSS e transformando em “presos” cidadãos que nunca estiveram atrás das grades. Detectado pela Polícia Federal na Serra do Rio Grande do Sul, o golpe teve seus bastidores revelados neste domingo (18) pelo Fantástico, em reportagem produzida pela RBS TV e com informações do Portal G1.
O auxílio-reclusão é um benefício pago pelo INSS aos dependentes de uma pessoa presa em regime fechado ou semiaberto, desde que ela trabalhe, contribua para a Previdência e seja de baixa renda.
No estado, a investigação indiciou oito pessoas, investigadas por criar, com documentos falsos, diversos tipos de personagens para a fraude. Entre as vítimas está uma cozinheira da Farroupilha, que nunca teve documentos extraviados.
A quadrilha forjou um falso atestado de reclusão, no qual a cozinheira consta perante o INSS como detenta em Chapecó (SC). Também criou documentos em que ela aparece casada com um homem que não conhece e com um filho que não tem. Ela soube do esquema ao ser chamada para prestar depoimento.
“A primeira pergunta que eu fiz a eles foi então que, no caso, a minha ficha policial estaria suja. Me disseram que não, que não estaria na suja. Na verdade, são papéis que eles enviam ao INSS e lá é feito todo esse trâmite, e eles recebem esse auxílio, né?”, indaga a cozinheira.
Na mesma cidade, até um ex-presidiário foi lesado. Em seu nome, a quadrilha conseguiu sacar R$ 27 mil, criando esposa e filha falsas para ele.
“Se eu vou lá no INSS para eles fazerem o pagamento para mim, chego lá e não tem dinheiro. Por que não tem esse dinheiro para mim?”, questiona o marceneiro.
Em Caxias do Sul, uma falsária conseguiu receber o auxílio transformando uma professora sem ficha criminal em esposa de um presidiário. A vítima diz que teve documentos roubados durante um assalto.
“Eu não consigo imaginar como o INSS consegue liberar e passar uma fraude dessas em que eu sou uma pessoa que eu não sou, casada com uma pessoa que eu nunca casei, e liberar um benefício para uma filha que eu nunca tive”, diz.
Ainda em Caxias do Sul, um analista financeiro descobriu, ao ser chamado para prestar depoimento, que virou marido de uma presidiária de Santa Catarina.
“Me informaram que eu estava recebendo esse benefício por ser casado com essa presidiária, que eu tinha uma ligação com ela, somente isso. Meu nome estava sendo investigado por eu estar recebendo esse benefício do INSS”, relata.
A investigação da Delegacia de Repressão aos Crimes Previdenciários da Polícia Federal gaúcha comprovou pelo menos 100 saques de até R$ 72 mil cada, de uma só vez. Em média, o auxílio-reclusão médio pago no país é de R$ 1.024,89.
Depois de forjar os documentos dos falsos dependentes, os fraudadores criavam vínculos de emprego fictícios entre laranjas e empresas de fachada, com duração de vários anos.
“Nós trabalhamos nessa investigação com pelo menos 100 benefícios fraudados. Mas isso é uma parcela. A nossa estimativa em cima dessa parcela é de pelo menos uns 500 benefícios que essas pessoas fraudaram, e que pode chegar de R$ 1 milhão a R$ 2 milhões”, afirma o delegado José Mauro Pinto Nunes, responsável pelo inquérito.
Destinado a dependentes de apenados dos regimes fechado e semiaberto de baixa renda, o benefício custou à Previdência, só no Rio Grande do Sul, R$ 42,2 milhões entre janeiro e outubro deste ano, com 3.980 pagamentos. É o terceiro estado que mais paga o benefício, perdendo para São Paulo e Minas Gerais.
No país, nesse mesmo período, foram pagos pouco mais de R$ 510 milhões para famílias de 47 mil presos.
Além do Rio Grande do Sul, a PF descobriu a atuação de quadrilhas de São Paulo e Sergipe em diversas cidades pelo país.
Em São Paulo, quatro pessoas foram presas. No total, 14 foram denunciadas. Em Sergipe, a quadrilha é formada por mulheres. Dezesseis pessoas já foram condenadas.
Especialistas defendem a função social do auxílio, previsto na Constituição.
“O auxílio-reclusão é importante, é fundamental, porque ajuda a evitar que o narcotráfico, por exemplo, tome conta da família de quem estiver preso. Por essa razão é que ele está previsto na Constituição da República como um direito absolutamente assegurado”, explica o comentarista de direito e Justiça da RBS TV e promotor de Justiça aposentado Cláudio Brito.